sábado, 13 de março de 2010

O aforismo de Rui Barbosa e a política afirmativa



Implicações teóricas do aforismo de Rui Barbosa para o debate das políticas afirmativas de cotas. Outras afirmações necessárias para a clarificação da problemática acerca da natureza e objetivo das Políticas Afirmativas de Cotas étnicas/raciais para o acesso popular ao ensino superior público no Brasil.

No aforismo igualitário de Rui Barbosa: “Igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.Tratamento desigual aos “desiguais” em relação ao histórico absurdo do qual passou a etnia negra e minorias, situação que refletiu na atualidade das desigualdades sociais. Os índices¹: analfabetismo, média de estudos, IDH, GINI, índices trabalhistas, expectativa de vida, habitação precária (densidade excessiva), saneamento básico, banheiro exclusivo, plano de saúde e renda - em sua totalidade; apontam para uma situação destoante e inconsistente entre o discurso meritocrático e a realidade dos fatos apresentada por uma análise extensiva, crítica e legal alem de juramentada não ao tecnicismo dos eruditas do “olimpo da UnB”(FD/UnB), ou das guarnições catedráticas e corporativas da lei, mas que tenha por fim – o público, a sociedade(por isso da necessidade do caráter juramentado), público e institucionalizado da política – atingir a coisa pública, a sociedade como uma política concreta.

O absurdo hermenêutico jurídico e antropológico na problemática das políticas afirmativas é entender o “desigualmente os desiguais”, não é pelo nominalismo “igual”, ou “igualdade” pregado pelo misticismo retórico, ou por um unilateralismo biogenético (a problemática não é polissêmica?), mas é entender que a desigualdade por motivo étnico é factual (dentro da História), é real, é duramente real, dados os índices sociais da população negra no Brasil.

Como o estado da arte JÁ está dado quanto ao acesso ao ensino superior, um acesso elitizado, voltado para um corporativismo desatado do popular – pensou antropólogos, juristas e demais pró-políticas afirmativas; sobre um possível tratamento desigual, para cidadãos “iguais” (mais desigualmente) tratados dentro e na História.Com isso, começaram a estruturar as afirmativas básicas pelas quais, possam justificar a implementação de tal medida em uf’s e/ou cefet’s do Brasil. Criou-se modelos e justificativas. Uma delas é o aforismo de Rui Barbosa como hermenêutica não estritamente legalista/constitucionalista mas uma máxima que cabe dizer, alcançou, por seu extremo tino histórico e lógico - uma plena justificativa jurídica (axiomática) para uma real implementação de uma ação afirmativa que possui também natureza histórica e social.

Outras afirmações que podem ser levadas em consideração após tal axioma filo/jurídico:

a) Sim, a sociedade brasileira é ainda racista, tanto negros quanto brancos, quanto pardos possuem discurso e comportamento racista;

b) Sim, de fato raça não existe. Acerta a biogenética, mas a problemática foi construída durante a história por ideologias, não pela ciência. E a resolução parcial da problemática, se dá por afirmações, direções, por afirmações direcionadas que sim, tomam PARTIDO (pois a problemática é POLÍTICA não meramente/exclusivamente legal ou biológica) de uma situação JÁ posta – a desigual situação dos índices sociais inter-etnias da qual cita IBGE, IPEA etc;

c) Face a afirmativa “a”, pelo pedagógico, des(construir) a ideologia racista. E um dos passos concretos para tal desconstrução ideológica é justamente a implementação de ações afirmativas;

d) Sim, a sociedade é ainda machista, sexista, classista e preconceituosa quanto ao “modus vivendi” negro e/ou minorias não prestigiadas;

e) Sim, a sociedade ainda corrompe estruturas impessoais (geralmente) instituições da máquina para que as mesmas repitam ad nauseam sua ideologia sectarista/racista;

f) Sim, o absurdo hermenêutico jurídico de Rui Barbosa é para dar possibilidade política de emancipar (geralmente estratos sociais pobres). Gente que; historicamente, teve que factualmente, arcar com a também absurda exploração laboral, corporal, sexual e psíquica para o mantimento de monoculturas, sistema escravocrata visto em Freire e Ribeiro com detalhes antropológicos/históricos;

g) “Amocambamento”, “aquilombamento” não possibilitou emancipação social, mas parcialmente fôlego para acumular força objetivando manter a própria sobrevivência, identidade e cultura. E isso de forma inconsistente, desorganizada, famélica e esfacelada pela violência do bandeirismo/pistolismo mandado de Domingos Jorge Velho, sem direção política; digamos que se constituiu ao aleatório, “à sorte” histórica, pois tais sistemas sempre viveram à sombra dos centros urbanos da época, dada sua impossibilidade de manter produção econômica;

h) Como fato antropológico, a situação histórica descrita em “g”, gerou inegavelmente parte da favelização atual. Problemática nevrálgica da reforma urbana – parada no congresso por mais de três décadas, dada sua complexidade;

i) O paralelismo visto em “h”, não se identifica uma lógica anacrônica mas por um ululante processo (não linear) histórico de causas complexas refletindo efeitos sociais também complexos e difusos para justificar o paralelismo visto em “h”;

j) Admitindo “g” que de fato aconteceu a partir do Séc. XVI a criação unilateral para os contínuos lingüísticos de BORTONI-RICARDO (rurais, “r”urbanos e urbanos) de uma vasta ideologia que identificará o negro e minorias por estereotipias construídas pelas diferenças lingüísticas, étnicas, de produção econômica, ideológica, religiosa, trabalhista, gênero, classe social, status e de identificação;

k) Conscientizar-se de que a situação de “j” possibilitou o êxodo rural - toda uma mudança cultural e estrutural/política da sociedade brasileira, de uma configuração demográfica rural para uma urbana motivadas por secas ou temporais violentos dada a variável e instável ecologia/geografia brasileira, malária e diarréia e doenças tropicais em geral, implementação da cana, café e borracha, imigração européia que trouxe Know how² (o como fazer) ao campo e cidade, mecanização da produção de monoculturas, industrialização e empobrecimento geral, urbanização intensa e concentrada no sul/sudeste, desemprego, intenso êxodo rural pela propaganda estatal após golpe de 1964;

l) Sim, o entendimento é de “absurdo jurídico” de Rui Barbosa especificamente para a implementação de políticas afirmativas (não foi também a História da diáspora negra também absurda?) é no sentido de admitir “desiguais” (no processo de exploração material na História), não foi a história desigual ao modus vivendi de aquilombados? Idem à relação de poder desigual na prática do “mucamato”? Assim; também possibilitar agir com pesos e hermenêuticas “desiguais”, “desproporcionais”, “injustas” dado os “desiguais” estado da arte social que se apresentaram a sociedade do Séc. XVI em diante para a problemática principal, e que se apresenta HOJE, corroborado pelos índices sociais desfavoráveis á etnia negra e minorias;

m) Justapor a hermenêutica jurídica do aforismo de Rui Barbosa, as “afirmações” básicas das políticas afirmativas e o processo exegético antropológico de Freire, Ribeiro et al em refutação ao mainstream jurídico e ideológico contrário para clarificar a arena política de embate real das forças existentes (a favor ou contra a política em si) e a problemática posta que perpassa o entendimento legalista zetético e perfeccionista e que segue de forma mais lógica pelo mainstream da História e ciências sociais;

n) Dado o também factual fenômeno de embate teórico de representações políticas sendo elas (a favor ou contra) as cotas, e também dada a proximidade da decisão jurídica da corte brasileira, seguir na construção e aglutinação em unidade de forças populares que possam tornar a política implementada e chancelada pela justiça, para que a mesma possa sair do enevoado embate teórico para se tornar institucionalizada; como justa política virtuosa que tenha por objetivo emancipação e o caráter pedagógico da mesma, não a sectarização ou a polarização (negros x brancos) histriônica e delirante de juristas ou eruditos no afã ou no sôfrego de seu próprio conhecimento que forçam inevitavelmente a maniqueização da realidade social e da universidade mas que vise justamente o oposto; sua diversificação e pluralidade de pensamento, étnica e existencial – conforme também se dá a natureza e a maneira de ser do povo brasileiro.

Bibliografia

¹ Conforme portais do IBGE, IPEA, PNAD e PNUD em 2008/2009;

² Lembremos que sob a ótica histórica acerca das técnicas agrícolas e de segurança, os reinos africanos dominaram a fundição do ferro, do cobre, ouro e demais metais antes dos povos indo-europeus. Mas como a história por vezes acontece de forma difusa – povos indo-europeus, seja por sua maior organização política, passou a dominar os metais e em sentido de conquista e segurança interna, passou a dominar não só a técnica dos metais para a agricultura mas também em questões bélicas, de segurança – inclusive colonizando a África posteriormente.

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©2007 '' Por Elke di Barros