Prefácio - Nos limites da ação; preconceito, inclusão e
deficiência/Organizado por Elizabeth Tunes, Roberto Bartholo.
– São Carlos: Eduscar, 2010 177p. ISBN:
978-85-7600-087-7.
A
oportunidade de prolongar este livro, organizado pelos professores Elizabeth
Tunes e Roberto Bartholo, o qual li com verdadeira fruição,
foi para mim extraordinariamente grata. Trata-se de uma obra incomum
entre a crescente produção, nos últimos anos, sobre o tema inclusão. Um dos
fundamentos de sua originalidade é de constituir-se me
expressão de alguns dos trabalhos discutidos no Seminário Nacional sobre
Preconceito, Inclusão e Deficiência, organizado com uma perspectiva
multidisciplinar e com pessoas comprometidas com um fazer e uma reflexão
aprofundada sobre o tema. Por isso, o livro apresenta o tema da inclusão em seu
caráter multifacetado, e sua leitura, na perspectiva do pensamento complexo,
torna-se extraordinariamente rica. As dimensões econômicas, histórica,
sociológica, tecnológica e, especialmente, ética da inclusão vão se mostrando
para o leitor, ao longo da leitura de uma única obra, em diferentes momentos,
de diferentes formas e com diferentes nuances, em uma tessitura que permite
refletir a inclusão em sua complexidade, em suas possibilidades e
impossibilidades, constituindo, assim, um importante contraponto às
representações dominantes relativamente utópicas, fragmentadas e simplistas,
atualmente em muitos cenários, especialmente no contexto educativo.
A
originalidade da obra não reside apenas, nem fundamentalmente, em seu caráter
multidisciplinar na tessitura de diferentes perspectivas disciplinares, mas sim
em algumas ideias que nela se destacam como centrais e que têm sido pouco
tratadas na produção científica sobre inclusão. Uma delas, de extraordinária
importância, é a análise da inclusão como uma questão ética. O princípio de
considerar inclusão social como um ato de responsabilidade pessoal fundamentado
na afirmação da irredutibilidade da pessoa e orientado para a preservação da
alteridade, tratando em três dos capítulos e formulado claramente no Manifesto
com que culmina esta obra, permite reivindicar a condição de sujeito dos
excluídos, condição essa que lhes tem sido negada pelo preconceito e pelas
concepções paternalistas e assistencialistas a ele associadas. Outra, por sua
vez, é a análise do papel desempenhado pelo modelo biomédico na exclusão,
especificamente pela medicalização da deficiência. Mostra-se, com particular
agudeza, com a natureza e o papel do diagnóstico como rótulo
constituem-se em uma importante barreira para a inclusão.
Há
também, nesta obra, a fundamentação de ideias francamente instigadoras e
provocativas. Um exemplo é o tratamento da deficiência, como uma forma concreta
da manifestação do preconceito, sendo este entendido, de acordo com o Manifesto
final, como “um modo de desresponsabilização pessoal que serve como barreira
para o ato relacional inclusivo e afirmativo da irredutibilidade da pessoa”.
Entre elas, a ideia de como o próprio conceito de deficiência serve à exclusão
e a ideia, sem dúvida marcante, de como a inclusão em sua perspectiva coletiva
e de processo orientado ao futuro justifica a injustiça, a escolha do mal menor
e, de fato, a escolha, de alguma forma, do mal.
Este
livro também revela e analisa importantes contradições que alertam sobre concepções
e práticas que se assumem de forma simplista e irreflexiva: a natureza e força
do discurso da inclusão em uma organização mundial cada vez
mais excludentes; a luta pela inclusão no sistema educativo, porém
embasada em diagnósticos classificatórios e excludentes; o avanço crescente da
tecnologia médica e seu possível impacto no processo de seletividade social; a
existência de uma Secretaria de Educação Especial no Ministério da Educação
(que representa, sob o meu ponto de vista, uma modalidade de ensino que
constitui uma das formas mais claras de expressão da exclusão no sistema
educativo), embora exista uma Secretaria de Educação Básica e outra de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Interessante,
também, é a ênfase na reformulação de categorias conceituais ainda vigentes em
muitos campos de trabalho com a inclusão, como por exemplo, o conceito de
acessibilidade, ainda associado à eliminação de barreiras (arquitetônicas,
urbanísticas, de transporte, de comunicação) e que passa a ser entendido como “a
qualidade de um serviço ou de uma instalação [...] susceptível de uso e
desfrute por parte de qualquer pessoa, independente de sua capacidade física,
sensorial, psíquica ou cognitiva” (López, nesta obra, p. 152). Isso tem
implicações na forma com que são trabalhados muitos dos interessantes temas de
aplicação, tratados no livro como os desafios da inclusão no turismo, no
trabalho e na sociedade em geral a partir da acessibilidade digital.
Estamos
diante de um livro cujo título, Nos
limites da Ação: Preconceito, Inclusão e Deficiência, é altamente sugestivo. Nele
aparecem categorias que se constituem como centrais para análise e que
perpassam toda a obra. O aprofundamento crítico, reflexivo e criativo nelas
permite questionar, implícita e explicitamente, algumas ações e práticas que
são muito comuns em relação à inclusão social e especialmente à inclusão
escolar. A partir das interessantes análises realizadas sobre preconceito,
inclusão e deficiência, emergem, com clareza, os limites da ação, os quais
obrigam a pensar em reformulações e novas estratégias, nem sempre explicitadas,
porém, implicitamente sugeridas para serem pensadas.
Esta
é uma obra revolucionária pelo seu caráter subversivo e desafiador; criativa
pela sua própria natureza e pelas possibilidades que abre para novas reflexões
e ações. Foge, com acerto, da repetição, da fragmentação, da simplificação e do
reducionismo que caracteriza, infelizmente, boa parte da produção científica
nesse campo e, por isso, sua leitura pode constituir um bom incentivo para
todos aqueles que, sensibilizados com a complexidade da inclusão, querem
fazê-la possível.
Albertina Mitjáns Martínez (Ph.D.) – Universidade de Brasília 2007.
Transcrição pelo Projeto Traquinagens* 2013.