terça-feira, 26 de novembro de 2013

Prefácio do Livro - Nos limites da Ação - Org. TUNES e BARTHOLO (2010)

Prefácio - Nos limites da ação; preconceito, inclusão e deficiência/Organizado por Elizabeth Tunes, Roberto Bartholo. – São Carlos: Eduscar, 2010 177p. ISBN: 978-85-7600-087-7.

 

A oportunidade de prolongar este livro, organizado pelos professores Elizabeth Tunes e Roberto Bartholo, o qual li com verdadeira fruição, foi para mim extraordinariamente grata. Trata-se de uma obra incomum entre a crescente produção, nos últimos anos, sobre o tema inclusão. Um dos fundamentos de sua originalidade é de constituir-se me expressão de alguns dos trabalhos discutidos no Seminário Nacional sobre Preconceito, Inclusão e Deficiência, organizado com uma perspectiva multidisciplinar e com pessoas comprometidas com um fazer e uma reflexão aprofundada sobre o tema. Por isso, o livro apresenta o tema da inclusão em seu caráter multifacetado, e sua leitura, na perspectiva do pensamento complexo, torna-se extraordinariamente rica. As dimensões econômicas, histórica, sociológica, tecnológica e, especialmente, ética da inclusão vão se mostrando para o leitor, ao longo da leitura de uma única obra, em diferentes momentos, de diferentes formas e com diferentes nuances, em uma tessitura que permite refletir a inclusão em sua complexidade, em suas possibilidades e impossibilidades, constituindo, assim, um importante contraponto às representações dominantes relativamente utópicas, fragmentadas e simplistas, atualmente em muitos cenários, especialmente no contexto educativo.

A originalidade da obra não reside apenas, nem fundamentalmente, em seu caráter multidisciplinar na tessitura de diferentes perspectivas disciplinares, mas sim em algumas ideias que nela se destacam como centrais e que têm sido pouco tratadas na produção científica sobre inclusão. Uma delas, de extraordinária importância, é a análise da inclusão como uma questão ética. O princípio de considerar inclusão social como um ato de responsabilidade pessoal fundamentado na afirmação da irredutibilidade da pessoa e orientado para a preservação da alteridade, tratando em três dos capítulos e formulado claramente no Manifesto com que culmina esta obra, permite reivindicar a condição de sujeito dos excluídos, condição essa que lhes tem sido negada pelo preconceito e pelas concepções paternalistas e assistencialistas a ele associadas. Outra, por sua vez, é a análise do papel desempenhado pelo modelo biomédico na exclusão, especificamente pela medicalização da deficiência. Mostra-se, com particular agudeza, com a natureza e o papel do diagnóstico como rótulo constituem-se em uma importante barreira para a inclusão.

Há também, nesta obra, a fundamentação de ideias francamente instigadoras e provocativas. Um exemplo é o tratamento da deficiência, como uma forma concreta da manifestação do preconceito, sendo este entendido, de acordo com o Manifesto final, como “um modo de desresponsabilização pessoal que serve como barreira para o ato relacional inclusivo e afirmativo da irredutibilidade da pessoa”. Entre elas, a ideia de como o próprio conceito de deficiência serve à exclusão e a ideia, sem dúvida marcante, de como a inclusão em sua perspectiva coletiva e de processo orientado ao futuro justifica a injustiça, a escolha do mal menor e, de fato, a escolha, de alguma forma, do mal.

Este livro também revela e analisa importantes contradições que alertam sobre concepções e práticas que se assumem de forma simplista e irreflexiva: a natureza e força do discurso da inclusão em uma organização mundial cada vez mais excludentes; a luta pela inclusão no sistema educativo, porém embasada em diagnósticos classificatórios e excludentes; o avanço crescente da tecnologia médica e seu possível impacto no processo de seletividade social; a existência de uma Secretaria de Educação Especial no Ministério da Educação (que representa, sob o meu ponto de vista, uma modalidade de ensino que constitui uma das formas mais claras de expressão da exclusão no sistema educativo), embora exista uma Secretaria de Educação Básica e outra de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.

Interessante, também, é a ênfase na reformulação de categorias conceituais ainda vigentes em muitos campos de trabalho com a inclusão, como por exemplo, o conceito de acessibilidade, ainda associado à eliminação de barreiras (arquitetônicas, urbanísticas, de transporte, de comunicação) e que passa a ser entendido como “a qualidade de um serviço ou de uma instalação [...] susceptível de uso e desfrute por parte de qualquer pessoa, independente de sua capacidade física, sensorial, psíquica ou cognitiva” (López, nesta obra, p. 152). Isso tem implicações na forma com que são trabalhados muitos dos interessantes temas de aplicação, tratados no livro como os desafios da inclusão no turismo, no trabalho e na sociedade em geral a partir da acessibilidade digital.

Estamos diante de um livro cujo título, Nos limites da Ação: Preconceito, Inclusão e Deficiência, é altamente sugestivo. Nele aparecem categorias que se constituem como centrais para análise e que perpassam toda a obra. O aprofundamento crítico, reflexivo e criativo nelas permite questionar, implícita e explicitamente, algumas ações e práticas que são muito comuns em relação à inclusão social e especialmente à inclusão escolar. A partir das interessantes análises realizadas sobre preconceito, inclusão e deficiência, emergem, com clareza, os limites da ação, os quais obrigam a pensar em reformulações e novas estratégias, nem sempre explicitadas, porém, implicitamente sugeridas para serem pensadas.

Esta é uma obra revolucionária pelo seu caráter subversivo e desafiador; criativa pela sua própria natureza e pelas possibilidades que abre para novas reflexões e ações. Foge, com acerto, da repetição, da fragmentação, da simplificação e do reducionismo que caracteriza, infelizmente, boa parte da produção científica nesse campo e, por isso, sua leitura pode constituir um bom incentivo para todos aqueles que, sensibilizados com a complexidade da inclusão, querem fazê-la possível.

Albertina Mitjáns Martínez (Ph.D.) – Universidade de Brasília 2007.

Transcrição pelo Projeto Traquinagens* 2013.

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