sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O almirante negro

TEXTO PRELIMINAR

Esboço sócio político nas relações entre a etnia negra do séc XIX em diante e o império/república. A revolta da chibata sob a ótica sócio política, como marco histórico e no vislumbre teórico de uma sociedade plural.

O almirante negro a romper as trevas do racismo


Com a cerviz arqueada a terra, pregressos de João Candido Felisberto já cortava a facão, suor e sangue as monoculturas de cana e café no Brasil império em transição para a república.
Mesmo após a abolição, os novos marginais, antes escravos, miseráveis ao extremo, foi agora despedido por ineficiência no manejo da terra e por interesses monetários. O capitalismo industrial “libertou” o negro e concidadãos pobres do trabalho servil e passou a lhe pagar pela liberdade com a miséria social e política além de lhe imputar, em nome da república, as mazelas e corrupções sociais e o degredo com a vida humana.
E assim, como imundos mentirosos reais, mas com roupagem da vestalidade cristã, sempre se apresentando na nova sociedade como bons moços, mas com o intuito porco e exclusivo da exploração capitalista, o mantimento da nova balança comercial exportadora deveria ser mantida. Nesse tempo, (em meados do séc XIX), 80% da população era analfabeta e pobre.
Esse vício e essa chaga social ainda perdura; basta observarmos a África (o IDH/GINI e demais índices sociais, os piores do mundo) pode-se citar também os negros pobres da América Latina e no mundo.
Nesse difícil contexto histórico, o almirante negro teve a frente, sua paixão pelo mar (apesar de ter sido obrigado a entrar na marinha). Uma árdua jornada de escárnio profissional, violências físicas e humilhações que lhe renderam inúmeros rebaixamentos na marinha, os acoites eram freqüentes, apesar de não constar nada em sua ficha profissional na marinha. O desprezo humano foi o tom do tratamento a marinheiros negros.
O zeitgeist de época foi anunciado por Joaquim Nabuco e Luiz Gama. Não era mais ético manter formal e declaradamente favor e louvor a um regime escravista. Não cabia mais a situação para a evolução do pensamento da época. Paradoxalmente, seria mais “humano” pagar salários irrisórios por doze, quinze horas de intenso esforço físico, sem as condições ideais.
A escravidão ainda permanece e permaneceria na república, que ainda teria um longo processo para a consolidação de direitos fundamentais em nossa parca democracia.
A humilhação pública e os açoites da chibata talhavam carne humana como manteiga e sabe-se que inúmeros escravos esvaiam-se em sangue. Poças de sangue se encontrava perto dos troncos aprumados pelo senhorio.
As necessidades da pontualidade históricas em citar Joaquim Nabuco e Gama são também da necessidade de não abrir mão, até por ética histórica e científica de imiscuir romantismo narrativo em fatos.
Assim, sem lançar mão de romantismos, de suposições, a chibata por vezes se mostrava pior do que um flagron romano em carne humana. A chibata se lançada por repetidas vezes no tórax, irá talhar seus músculos. Os cortes são profundos e levaria um homem ao óbito facilmente.
Seriam possíveis pensamentos que ocorreria na mente de João Candido? Não foi possível essa verificação documental/histórica.
Não pretendia dar teor político ao ato, mas sim humano, básico. Certamente, as coerções psíquicas foram sofridas. Por talvez tentar expressar seu sonho de Brasil humano, sem veio político, que em 1910 aconteceu o levante conhecido como a Revolta da Chibata. Reuniu-se mais de dois mil marinheiros para exigir agora formal e definitivamente o fim dos açoites e coerções na marinha.
Vinte e quatro horas depois do levante, o governo republicano aceitou as reivindicações dos tripulantes dos encouraçados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo já postos frente ao antigo Distrito Federal.
De forma simbólica, essa vitória dos marinheiros seria de extrema importância histórica – como marco, da formação de nossa tão idealizada sociedade plural e multiétnica e cultural.
Acreditamos que seria provável que João Candido nunca tenha pensado na revolta em termos de via pra uma sociedade plural e multiétnica, mas sua atitude como cidadão de época foi chave para sucessivas vitórias parciais da sociedade negra e pobre do Brasil.
Torna-se um absurdo filosófico o Brasil homenagear civilmente, um cidadão que pedia somente liberdade para trabalhar. Tudo isso não deveria ser premissa fundamental da democracia e da República?
Como também, deveria ser prazeroso para os pregressos e para João Candido poder desfrutar de um pedaço de terra, com muita galinha no quintal, farofa, pimenta malagueta, feijão, mandioca, milho,banana, inhame, abóbora,poder usufruir da sua cultura fitoterápica, poder tocar tambor e alegrar-se, sambar, dançar jongo e adorar todo o vasto panteão afro-brasileiro e todo tipo de nuance sincrética entre a África e o Brasil. Respirar alem do atlântico pelos arquétipos ancestrais sem duas vias América-Africa-América-África...
Uma prova reversa desse processo sincrético agora Brasil e a África está na forma de se vestir, de falar, pela música, pela dramaturgia brasileira que é muito difundida em Angola.
A dinamicidade dos conturbados interesses de cafeicultores, latifundiários e novos comerciantes teve reflexos diretos no parlamento. A sociedade pré-capitalista do início do século vinte, ainda tinha o estado como fonte de coerção étnica.
O pestilento universo de ideologias racistas permeava a alta patente e traria com o passar do tempo, o açoite exclusivo pelo ódio étnico.
Novamente, o romantismo redacional, não é posto em questão. Visto que, uma nova frente protofascista/nazista se difundiria na Europa e depois nos EUA.
O resultado posterior desse gérmen ideológico ajudaria a formar o palco das duas guerras mundiais. Hoje, tais movimentos contemporâneos afirmam claramente sua aversão não só a negros, mas a homossexuais, latinos, ateus, pagãos, mulçumanos, hindu, chineses, asiáticos em geral.
Formam assim, núcleos sectários extremistas de intenso teor fundamental religioso (geralmente de matriz judaica cristã). Utilizam-se de todos os subterfúgios filológicos e de erudição para propagar doutrinas fascistas que são mesclas da Talmud com a Filosofia e Teologia Cristã.
Tudo chancelado em certos pontos, até hoje, por altos escalões de líderes religiosos e “investidores” do sagrado e da cultura ocidental. Religião hoje tem fim financeiro, não social, libertário.
Em 1910 as coerções psíquicas tinham também um forte tom de fundamentalismo religioso. A ideologização que norteava as decisões da marinha brasileiras eram também de extremo teor fundamental. Os que assim estivessem fora dessa norma padrão, deveria ser açoitado por que eram filhos do diabo. A associação ideológica era que; brancos era filho de deus e os negros e mestiços filhos do diabo, por isso da superioridade branca em relação aos filhos do diabo.
Não podemos falar de igualdade se não falarmos em igualdade étnica, cultural e material. O fenótipo não se pode ser mensurado moralmente pela quantidade de melanina. Essa burrice argumentativa advém de opiniões racistas. Não como fato científico. Assim também pela sua etnia, sua cultura ou forma de pensar.
Ora, como sistematizar conclusões reais acerca de uma manifestação cultural, tendo por critérios ideológicos? Ora, como sistematizar conclusões de critérios de bom mocinho e mau mocinho?
Será que a quantidade de melanina interfere em algo referente a comportamentos sociais do tipo “bom mocinho” ou “mau mocinho”?
Aos que propagam tal ignorância, faltam-lhes feeling histórico e biológico para sustentação de proposição.
Afirmações racistas, nunca são científicas, porém possuem teor ideológico e fundamental religioso.
Na esfera patrimonial, a comunidade negra sente até hoje os reflexos da exploração. A grande maioria dos negros latina e africana é ainda pobre.
A equalização de pilares de nossa sociedade é fundamental para a concretização dos direitos humanos.
Se a vida humana não está amparada em saneamento, água tratada, moradia e condições básicas para todos, de nada adiantará a erudição de convenções, unir nações ou metodizar uma ética humanista.Tudo ficará num voluntarismo e num espontaneísmo sem norte.
A revolta da Chibata não tinha corpo nem organização política. Reivindicava apenas o direito natural de trabalhar e ter condições básicas para sobreviver, sem nenhum tipo de açoite físico ou mental.
A situação se tornara insuportável porque o trabalho em mar era duro e exercido em ambientes infectos. Os porões dos navios negreiros e das embarcações do séc. XIX não tinha o menor asseio. Somente o tráfico nessas embarcações levaria trinta por cento do total de escravos-viagem à morte. Muitos eram devorados vivos por ratos, outros pela peste negra, bactérias e doenças tropicais.
Assim, não seria digno, depois de passar tudo isso, trabalhar para a marinha doze, quinze horas por dia sem nenhuma garantia e sempre viver sob intensos esforços físicos.
A revolta portanto, foi um ato de desespero em mantimento da vida. O objetivo era sobreviver e se sustentar. De forma inquestionável, a legitimidade da revolta pode se furtar dos direitos humanos para dizer: - Sim! A revolta é legítima. Abaixo o açoite e por melhores condições de trabalho para todos.
Fato é que; não se tinha absolutamente nenhum intuito político, mas sim humano. Vislumbrava-se somente trabalho e o fim da chibata.
A não existência de documentações mais precisas e completas sobre a vida dos marinheiros negros pode até ser encarada como uma prova da indiferença institucional. Muitos foram verdadeiros heróis e por vaidades pessoais e também por entendimento institucional o procedimento interno de coerção física aos marinheiros não era documentado.
Mesmo assim, era patente o ódio institucional por marinheiros negros. De forma simbólica, a vitória da revolta foi um passo para o aprofundar dos Direitos Humanos. A condição humana básica voltava à baila das discussões nos salões da intelectualidade da época.
Muitos certos, mas muitos sem feeling histórico fariam o movimento contrário à abolição, traria a forma de exploração capitalista para mantimento do status quo.

Nota sobre a religião como variável social

Numa escala histórica, existe um processo de mútua conversão moral entre o sagrado e o profano. O profano no código de ética da marinha eram as manifestações tipicamente negras, como sua culinária, vestimentas, sua matriz religiosa.
Dançar ao som dos tambores e louvar o panteão afro era heresia e profanação do sagrado. Por outro lado, o sagrado para os teólogos era somente a cartilha bíblica.
O pleno entendimento ainda não acontece pois o não entendimento de uma mútua conversão moral e interdependência entre o que é considerado sagrado e o que é profano.
Essa pretensa divisão é somente para alimentar o ego de racistas. Parte-se de um conceito por vezes, universal de deidade, mas sectariza a realidade em milhares de religiões? Isso não é uma tentativa de ecumenismo religioso e sim uma constatação social de restrições por que passa alguns religiosos.
O intento aqui é somente constatar mais uma vez a grande interdependência entre fontes profanas e de fontes sagradas, corroborando conseqüentemente a nulidade de uma fundamentação neonazista por critérios religiosos.
Ora, é público e notório que as religiões sofreram muitas influências, na cristã, o helenismo é um exemplo.

Matriz Cultural Monoteísta

A Matriz Cultural Monoteísta doravante, MCM pode-se dizer que mais da metade da população mundial tem como princípios éticos e morais a MCM como guia de vida social. A matriz é composta pelos correligionários do Judaísmo, Cristianismo e Islamismo e em suas respectivas reverberações sincréticas intereligiosas.
Pensemos, o que poderia ser citado como sagrado ou profano em alguma dessas religiões que não fosse caracterizado pela existência de mútuas influências entre o que é considerado sagrado e profano da religião daquele que cita o caráter “sagrado” ou “profano”. Visto que, a sacralidade e o ser profano, não passa de descrições subjetivas de significados estritos da religião considerada “sagrada”.
As descrições são subjetivas e pessoais, e paradoxos sociais se apresentam mais uma vez.
Ora, o sectarismo religioso se furtava da prática do açoite para corrigir hereges e revoltosos negros, mas praticava assiduamente sexo com mucamas, adotava sua culinária, língua e vestimentas. Como descrito, não se apercebia na própria sociedade, fenômenos sociais paradoxais, inclusive na eterna conversão sincrética e secular entre o sagrado e o profano.


Pré-conclusões

- As idéias que motivaram os açoites eram ideológicas e fundamentais religiosas.As idéias que motivaram a revolta da chibata eram de natureza libertária e humana;
- As idéias institucionais da marinha eram “corrigir” marinheiros incompetentes, mas o motivo era o ódio racial e o sectarismo religioso;
- As idéias da revolta não tiveram em nenhum momento, teor político e de organização política e sim uma reivindicação aguda dos direitos naturais e humanos;
- Situado em uma difícil fase histórica de exploração e humilhação, João Candido, de espírito libertário, pensou a frente de seu tempo e reivindicou liberdade para trabalhar e viver. Fundamento esse dos direitos humanos, e o direito a vida.

0 comentários:

©2007 '' Por Elke di Barros