quarta-feira, 28 de julho de 2010

Estudo Dirigido - Pedagogia da Autonomia (FREIRE, Paulo)



Leitura dirigida do livro: Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Fonte: FREIRE, Paulo – São Paulo: Paz e Terra – 165p.


Uma das primeiras considerações que o grande educador Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia nos remete, é em relação a interdependência entre as dimensões da docência e da discência.

Admite o educador FREIRE que o binômio ensino-aprendizagem surge de forma para o professor como ensino e também aprendizagem. Admite FREIRE que, falar em formação docente também implica numa fenomenologia complexa, de múltiplas dimensões e possuidora de um caráter dialético. Vejamos o que fala FREIRE:

“quem forma se forma e re-forma ao for-mar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem forrar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.” (p.13).

Desse modo, vemos que a formação do docente não possui marcos, ou começo, meio e fim – para freire um processo contínuo, dialético, histórico-social.
Defende que existe uma rigorosidade na prática, no método de ensino partindo de pressupostos e de objetos de estudos que são significativos aos discentes presentes.
Pensando na proposta freiriana de se trabalhar na educação popular, partindo da realidade concreta desses educandos, não seria nenhum absurdo teórico/reflexivo, admitir que FREIRE também é um crítico aos modelos postos para se educar por bases populares.

A saber fazer e o saber técnico, apesar de suas dimensões mais fechadas, a crítica também deve fazer parte das premissas de um futuro Projeto Político Pedagógico de uma entidade ou instituições qualquer de natureza educacional.

O que percebemos em sentido crítico aos problemas que aparecem ao PPP é que, se a natureza da instituição é pública, a formulação, a concepção, a democratização as instâncias deliberativas da escola, que atenderia até a realidade da sociedade circunvizinha à escola por um PPP acontece de forma parcial, solapada e não integrada com a sociedade. Diretores de escolas públicas adotam linhas pedagógicas, linhas de atuação política pedagógica muitas das vezes sem o consentimento e/ou o entendimento da sociedade que atende.

Muitas das vezes a própria sociedade não quer participar dessas “chatas reuniões de pais” e mestres no começo e final de cada ano letivo.

Se a instituição é de direito particular, o PPP é por vezes adotado já previamente. Sem nenhuma crítica formal posta sobre a linha que se pretende adotar. Então o que vemos é que o projeto político pedagógico, amplamente discutido por toda a sociedade da qual atua aquela escola, torna-se não um projeto de construção coletiva, mas DELIBERAÇÃO unilateral da política da escola e de seu respectivo corpo de diretores, gestores, stakeholders e mantenedores.

Logicamente que, levar as discussões de ordem interna de uma escola particular, não deve soar muito bem aos ouvidos de mantenedores cujo objetivo é puramente monetário.
Muitas outras considerações interessantes podem vir, acerca dessas três variáveis para os fenômenos pedagógicos na escola: PPP, natureza jurídica (pública ou privada) e gestão dessas escolas.

Seguindo as considerações do educador FREIRE, o mesmo também cita que o ensinar exige pesquisa e que tal processo exige também a ruptura dialética e também psíquica, talvez inconsciente (psíquica e inconsciente por nossa conta) de conceitos e modelos e formas de pensar que ainda esbarram no senso comum, como cita FREIRE numa curiosidade ingênua, não uma curiosidade genuína epistemológica.
A questão da curiosidade epistemológica é amplamente defendida por FREIRE. Coerência com sua proposta de uma pedagogia ou uma educação problematizadora ou crítica, tendo por veículo o diálogo. E em contraposição, conforme seu clássico Pedagogia do Oprimido, em forças antidialógicas ou antipedagógicas.

Freire também considera que existe a possibilidade de que docentes que problematizam a realidade concreta para seus educandos, inclusive não jogando para debaixo do tapete as mazelas e a violência social pela qual sofre inclusive nossos jovens educandos – possa sofre de críticas do tipo “Professor subversivo” ou “Professor esquerdista” ou “Professor marxista anacrônico do sempre do contra”.

Alem desses estereótipos encontrados, vemos que a carreira docente também deve prezar pela ética, por uma estética e por ser dialético, e por ser um processo que não possui marcos e início o fim, mas em constante formação, sem um ser inconcluso (conforme o autor), o professor também deve estar atento ao novo, ao novo conhecimento, à dinamicidade da epistemologia.

Alem disso deve o professor ser capaz de não cair na armadilha dos determinismos dos preconceitos e discriminações. A fenomenologia que vemos na Antropologia cujo termo é etnocentrismo é uma grande armadilha para os pré-julgamentos para o ENSINO-APRENDIZAGEM do professor perante um discente x ou y, com uma roupa ou comportamento a ou b, ou com um fenótipo c ou d, por sua forma de falar, pensar ou se relacionar com os demais em ambiente pedagógico, na escola.

As armadilhas do etnocentrismo se não percebidas, podem gerar incompatibilidades justamente no cerne dos fenômenos pedagógicos o binômio ensino-aprendizagem.
Com cita FREIRE, que bastará apenas um gesto do docente para que o ensino-aprendizagem podem se concretizar de forma significativa e real ou pode se esvair no desânimo, no não entendimento do que por ora é explanado, na evasão ou no baixo índice de escolaridade visto em todo o Brasil e América Latina.

De forma muito feliz o educador FREIRE também cita que, ensinar é também refletir sobre a prática escolar, mesmo que essa prática esteja funcionando, ou dando “certo”.
Uma excelente análise filosófica também faz freire sobre o pensar (dentro de um modelo de senso comum) e o pensar certo (dentro de um modelo além do senso comum, esse de ordem certamente histórica, dialética, epistemológica – sempre pautada na realidade concreta de seus alunos).

Para que essa situação ideal na escola ocorra não só a escola mas todos seus agentes devem ter consciência de sua identidade cultural, valores, e demais questões deontológicas fundamentais – inclusive para o aprendizado.

Uma crítica filosófica e exemplificada faz o educador FREIRE na formação de nossos preconceitos e estereotipias aprendidas ou concebidas no afã de uma rasa sabedoria que, imputará comportamento x pela causa pele, ou o comportamento y pela sua classe social. Um engodo para um processo de ir além de um repasse de conhecimento. Ensinar, não seria repassar conhecimento.

Brilhantemente, FREIRE faz uma reflexão dos suportes criados pelo homem para não se refletir in totum sobre a beleza e complexidade da própria existência, não possibilitando aos educandos romperem com os modelos pedagógicos anti- autônomos, ou opressores.

Pela linguagem, pelas estéticas, pelas superestruturas postas, pelo superego que oprime inclusive vontades instintivas do homem, pela violência diária, o homem fica impossibilitado de reagir e/ou de refletir sobre sua própria existência.
Tal determinismo na forma de ensinar, nos remete aos “vidros de Ruth Rocha”, aos modelos pré-concebidos, e que não demonstram qualquer salto qualitativos aos educandos, nem sequer absorção real pedagógica da diretividade de um PPP ou linha didática/pedagógica adotada, mas que para os fins pedagógicos são falhos.

Dentro desse contexto de estruturas que vão moldar nossa forma de pensar, de vestir e ser, o educador FREIRE afirma que seria um bom começo, nós docentes admitirmos que também fazermos parte desses vícios de pensamento e desses vícios pedagógicos e que todo docente também está condicionado à sua cultura e forma de viver “a” ou “b”.
Dentro dessa conjuntura existencial, FREIRE faz uma digressão e nos remete a alguns conceitos que defendeu na década de 60 como o de conscientização, e logo depois reforça tal idéia não como a panacéia dos problemas pedagógicos/educacionais, mas como novamente, movimento contínuo, de exaustiva repetição, de exaustiva reflexão interna e de diálogo com os demais agentes da educação.

De forma lúcida, FREIRE exemplifica que os modelos que os “vidros” pedagógicos impostos pelos poderosos, alimentam linhas de “educação” que estão fatalmente imbuídas, imiscuídas do discurso sectário da classe, de estereotipias ou preconceitos. Preconceitos esses justificados como eticidade para a sociedade, que deve educar por exemplo, para a problemática da terra os “arruaceiros” sem-terra.
Querem tornar ético a educação de “marginais”, mas tal eticidade não passa pelo crivo de uma análise mais aguda em termos de políticas educacionais PÚBLICAS e se passar, enganam-se os gestores que adotarem tais linhas pedagógicas, tendo no falso intuito ético de consertar os ignóbeis sem-terra. Escondendo assim para a realidade das políticas públicas para a educação, formas, modelos, técnicas, “vidros” (Ver texto da teórica Ruth Rocha) que publicam o pedagógico, mas se justifica por uma prática determinística e sectária, pautada certamente por equívocos ideológicos em infindas formas. E ai daquele docente que ousar questionar as linhas pedagógicas, currícula ou didática de uma instituição de ensino qualquer que esteja já cooptado pelo determinismo político.

Admite FREIRE que existe, no movimento dialético dentro da escola “um pensar certo”, que implicaria não numa pedagogia avulsa, espontânea, mas direcionada. Isso, para o educando, admite FREIRE que geraria ao mesmo uma curiosidade epistemológica. Necessariamente ligada aos desafios concretos do qual passa o educando em sua comunidade.

De forma muito feliz, FREIRE vê na crítica à prática docente certa não necessariamente estar vinculada ao título, ao saber aprovado pela academia, ou pela erudição, mas pela forma pela qual o docente significa ou re-significa sua própria prática e essa em comunhão ao mundo, à realidade de seus alunos.
Concordamos parcialmente com FREIRE, quando cita o homem/mulher como seres éticos, mas também capazes das mais baixas vilezas ou barbáries quando compara (aqui, sob essa crítica em sentido etológico), a barbárie humana em relação a leões e tigres e suas respectivas relações familiares.

Parcialmente, por que de forma invariável, tanto homens, quanto tigres, quanto leões matam e são violentos inclusive por motivos “fúteis”.

Leões adultos matam filhotes machos por motivos de poder no mantimento de seu status de macho alfa e progenitor, por território ou por puro instinto, mesmo sendo impensável que leões façam as “condolências” aos parentes dos filhotes mortos perfazendo um comportamento anti-ético.

Mas de forma invariável, como já citado acima, homens também matam por status de ser machos alfa e ser progenitor, por território ou bens e também por puro instinto apesar de ter em seu comportamento a hipócrita forma “ética” de levar as condolências aos parentes de humanos mortos justamente pelo que faz as condolências.
Essa pequena crítica etológica é em strictum sentido biológico/etológico. Ou até forçando a barra em sentido teórico psicanalítico numa exacerbação do id (freudiano), ou de nossos instintos animalescos.

E isso acontece muito. Quantos casais, o homem, o macho (geralmente) não mata a fêmea por puro impulso instintivo, por ciúme doentio. Mesmo tendo por superego as leis sociais, a polícia, a cadeia.

Em suma, sob esse ponto de vista estrito etológico, por vezes o homem/mulher (mas geralmente tal comportamento é visto entre machos) “deleta” a ética e age como animal irracional. Como bicho, como fera. E isso acontece quase todos os dias nos grandes centros.

Admite o educador FREIRE que nós, seres humanos, apesar de almejar e criar uma ética, somos incompletos. Refuta de forma ímpar a não existência de uma superioridade entre fenótipos – sejam eles em detrimento à cor da pele, à orientação sexual, gênero ou qualquer outra estereotipia adquirida culturalmente e que deve ser “desconstruída” no ambiente escolar pelo preço do docente e a administração da escola atropelar princípios éticos e o próprio bom senso no ato pedagógico, na interação pedagógica.

Como teórico, Paulo Freire realmente é um ser diferenciado dada sua lucidez e tino pedagógico único. Admite o educador FREIRE que, toda e qualquer estereotipia inerente ao professor pode deixar marcas indeléveis ao educando, porem, para as atuais anotações se desatar completamente de nossos vícios ou pequenez ética seria como alcançar uma espécie de “eldorado pedagógico” no dia a dia do se lecionar. Acreditamos que FREIRE não afirma tais situações como a panacéia ao ato concreto da docência, mas para alertar aos pedagogos (as), aos agentes da educação e aos professores e profissionais da educação em geral que, nossa incompletude enquanto homens e mulheres falhas deve sempre ser norteador de uma prática docente que também abrace a humildade, a tolerância, a autotolerância (autotolerância por nossa conta), o entendimento das lutas reais que passa a classe docente para garantir nossos direitos fundamentais.

Quando o educador FREIRE cita que:

"A nossa capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, sugere ou, mais do que isso implica a nossa habilidade de apreender a substantividade do objeto aprendido. A memorização mecânica do perfil do objeto não é aprendizado verdadeiro do objeto ou do conteúdo. Neste caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente da transferência do objeto ou do conteúdo do que como sujeito crítico, epistemologicamente curioso, que constrói o conhecimento do objeto ou participa de sua construção. É precisamente por causa desta habilidade de apreender a substantividade do objeto que nos é possível reconstruir um mau aprendizado, o em que o aprendiz foi puro paciente da transferência do conhecimento feita pelo educador." (P. 28)

Concordamos parcialmente com o educador FREIRE, por que na questão da memorização automática, irá depender do objeto a ser estudado. Se for por exemplo, as quatro operações fundamentais da matemática ou o aprendizado da língua materna (digo o aprendizado do símbolos gráficos simples ou menos complexos do tipo “c-a-s-a”), muitas das vezes não se precisa da crítica, mas de um entendimento cognitivo. E isso pode por vezes se dar dentro de um mero processo de repetição ou de uma memorização mecânica, mas que se repita até que o objeto de estudo possa ser entendido de fato.

Apelando para Vygotsky, acreditamos que alguns objetos de estudos de baixa complexidade e que se o aluno de fato, estiver atento e se tal direcionamento atento for repetido por diversas vezes (aqui sem crítica como cita FREIRE) o mesmo pode vir a aprender de fato, tais objetos. Aqui seria uma crítica “proto-vygostskyana”, pois tal situação psíquica/cognitiva não configuraria uma plena interação do tipo ZDR à ZDP mas tudo aconteceria dentro da dimensão de ZDR. Ou seja, alguns objetos de estudos pouco complexos podem se tornar inteligíveis de fato ao aluno por ele mesmo, dentro de sua potencialidade REAL. Seja por ter aprendido na tv, ou ter escutado no rádio, ou ter observado o coleginha na tentativa de resolver uma soma simples, seja pelos seus círculos sociais.

Não temos ainda uma fundamentação teórica para trazer à baila sobre tais considerações acima (inclusive com relação às anotações anteriores em termos etológicos), á priori, o autor dessas singelas anotações tratará essas proposições dentro de um processo hipotético – que pode se mostrar verdadeiro ou falso se tivermos a oportunidade de uma maior verificação dessas fenomenologias estritas e que foram citadas acima. Tratemos tudo como um mero exercício hipotético/dialético, ou quem sabe, no decorrer de mais verificações científicas até se tornar um processo heurístico. Ou por outro lado, se apresentar muitas restrições, objeções ou refutações diametrais, tais anotações serão descartadas dada a sua não fundamentação. Para o autor, fica o desafio de um maior aprofundamento às proposições acima, mas também fica o desafio à academia na identificação pontual de possíveis inconsistências teóricas.

Conclusão:

Diante de um real tensionamento social entre a filosofia pedagógica freiriana e o ideal do individualismo neoliberal, o educador Paulo Freire, sob uma clareza de proposições, sob um tino pedagógico raramente visto em outros teóricos, procura trazer as discussões reais que acontecem no dia a dia do docente e esse em interação com educandos com entendimentos diferentes, com identidades culturais diferentes, com educandos de comportamentos diferentes e visões diferentes do mundo.
Diante o exposto, o educador FREIRE, trará de forma muito feliz questões como: Educar se necessita de um direcionamento, de pesquisa, de criticidade, admite-se no ato pedagógico uma ética, uma estética. Admite-se que existem riscos, aceitação ou rejeição do “novo”.

O educador FREIRE também traz à baila que o ato de ensinar é interativo, não mera transferência de conhecimento e que exige do educador/docente autonomia (inclusive do educando), um bom senso, entendimento da realidade, curiosidade epistemológica e atuação no social admitindo que tudo que existe na sociedade pode ser mudado, inclusive estruturas viciadas, a pobreza, a exclusão e as mazelas da sociedade que perdura a séculos.

Assim, por ser direcionada, o ato pedagógico é também ideológico, mas que disso não faça o docente sob uma linguagem dúbia, opaca, abstrata em demasia que de uma forma ou de outra poderia romancear, mistificar a realidade circundante que a todo dia vê, sente e re-significa o educando em sua também prática pedagógica.

Enfim, o educador Paulo Freire, de forma muito lúcida irá trazer diretrizes, situações, casos, exemplos, problemáticas gerais e específicas, ideológicas, econômicas, sociais e políticas do universo pedagógico dentro e fora da escola contemporânea.

Um livro atualíssimo e indispensável à formação crítica docente nos dias de hoje – independentemente da área do conhecimento que irá atuar os novos professores e professoras.

0 comentários:

©2007 '' Por Elke di Barros